sábado, 4 de novembro de 2017

Sobre Deus: ou o pai, o marido e o filho.

"Como ele espera que o amem, se ele larga as pessoas com a mesma facilidade com que as aproxima? Num longo período ninguém suportaria estar ao lado de alguém com tão pouca fé e desilusão. É um circo, um circo infeliz, em que as máscaras se tornam cada vez mais esdrúxulas em expressão à medida que o vazio sufocante aumenta. Não há espaço para acreditar, aqui; não há tempo. Há um sufoco, uma necessidade triste, um turbilhão que te engole cada vez que se pensa em ceder... Todos erram, e crer que é possível não errar nunca é o pior de todos os erros. Não aceitar que alguém erre e afastá-la de si por isso é sufocar um pouco mais a si próprio. Não é possível amar num terreno tão seco, tão infértil como esse. Está sendo a pior das experiências: isso de aprender a beber um pouco de cada fonte para não morrer de sede. Será preciso mesmo morrer de sede mais algumas eternidades até aprender a viver? Ou esse é um caminho já muito trilhado, por muitos, e que engana? Tanto faz, só não quero mais morrer de sede! Ser seduzida pelo rancor do ciúmes, pelos pseudo-problemas, e acabar se esquecendo de beber das milhares de colheres que a vida oferece: sufocar tanto ao ponto de já não reconhecer mais uma alegria simples, passar tanta sede tentando sugar a últimíssima gota de uma colher já velha, que sabe-se, mas não se quer admitir, não pode oferecer mais que isso. O corpo, porque precisa tomar, no desespero, toma a si, suga a si, e por mais absurdo, pode-se morrer antes do tempo, bem assim, por uma ideia: uma insistência, uma obstinação de criança."

Fala um personagem muito entediado.